sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sede de Liberdade.




Sinto-me como num casulo. Sinto-me enclausurada nos limites do meu corpo, lutando para manter-me firme e lúcida como devo ser, como exigem que eu seja. Sinto-me obrigada a andar por um caminho já traçado, sinto-me exaustivamente debilitada, como se minhas pernas já não agüentassem mais o peso de minh'alma, que tão sedenta de liberdade absorve toda oportunidade que tem de se ver além das fronteiras. Densa, tão densa que chega a tornar-se um ser distinto de mim, minh'alma clama por liberdade. Transforma meu corpo num cárcere que me tortura a todo o momento, por não me dar a chance de romper os limites de mim. Transforma minha mente num turbilhão de angústias e dúvidas, uma vez que almejo romper um limite imposto por mim mesma. Meu corpo. Somente meu. Que faço para transpor esse tão natural obstáculo que ao passar dos dias se torna cada vez mais sufocante para a minha alma? Ela só quer sair, ela só quer viver...

É tudo tão paradoxal, sentir meu corpo pequeno para tamanha necessidade de liberdade e ao mesmo tempo sentir-me grande diante do mundo que me deparo, ao qual quero entregar-me como se não fosse de ninguém, como se ninguém de mim fosse. Olho para mim e não enxergo nada, senão um pedaço de carne feito gente cujos olhos transbordam de carência... Carência de vida, carência de verdade. Meus olhos são o único veículo que minh'alma encontrou para se expressar, sendo para uns apenas meios de enxergar, sendo para mim uma maneira de extraviar a dor que sinto por deles não ir além, por serem eles tudo quanto posso sentir. São meus olhos meu elo com a minha infindável e insaciável alma, que transmite seus desejos de liberdade por olhares que vão além do que se vê, percorrem aquela linha de concreto e viajam pelo que só é possível imaginar.




Chegará o dia em que serei só o que sinto. Terei, não com meus olhos, não com minhas pernas, mas sim com o meu coração, com a minh'alma, tudo aquilo que de longe quis e não pude ter. Sentirei, não na carne, não na pele, mas no âmago de mim, meus mais profundos e verdadeiros anseios. Serei livre, tão livre que levarei comigo o mundo que existe e aquele que invento para sobreviver. Não haverá fronteiras. Ultrapassá-las-ei. Chegará o dia em que tudo será pequeno para mim, em que me verei sem limites para nada, tão sem limites como o tempo. Estarei difusa à ele. Então terei a certeza de que fui somente aquilo que senti.

'Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome' [Clarice Lispector]

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Personagem ou autora?



Vi o sol nascer, se pôr, agora a lua reina exuberante no céu. E eu ainda permaneço absorta em meus pensamentos. Assim os dias se vão, sem que eu faça nada além do essencial para sobreviver.

Desses infinitos minutos em que contemplo a paisagem morta do meu quarto e desfruto de minha própria companhia, veio-me a mente o tempo que se esvai. O tempo que chega sorrateiramente e sem se deixar perceber, volta para o misterioso lugar de onde veio. Como perco tempo em meus devaneios. Sinto-me indescritivelmente paralisada pelo medo de viver. O que me espera ali na frente? Afinal, sou uma mera personagem de uma história já escrita ou sou autora da minha própria trama?
Se vim a esse mundo com um roteiro já escrito, estou fadada aos fatos, não posso mudá-los, só posso cumprir o papel que a mim foi incumbido. Nada depende de mim, trilho um caminho certo. Qualquer sofrimento, derrota, fracasso, estava escrito, foi porque Deus quis. Mas se eu for a autora da minha própria trama, o poder de torná-la um drama ou não seria meu. Teria comigo todas as ferramentas e possibilidades para dar a minha história o rumo que fosse melhor para mim. Escreveria o meu futuro, sendo este basicamente o reflexo do meu presente. Confesso que é mais cômodo crer que já há uma história escrita para mim e que uma força maior rege a minha vida. Posso até culpá-la pelos eventuais contratempos que ocorram, aliás, poderia a culpar por tudo que não quisesse assumir a culpa, livraria minha consciência dos erros, dos fracassos, dos comodismos, das mentiras... estaria tudo escrito, eu só haveria cumprido meu papel. Mas isso não me agrada tanto. Esse inexorável destino, permanecer nos limites de uma narrativa e ter a certeza de que nela terei que continuar. Tudo isso faz surgir em mim uma sensação de impotência, por nada poder fazer diante daquilo que me foi imposto. Diferente da sensação de liberdade que me trás a idéia de escrever diária e continuamente a minha história. Onde cada acontecimento, ruim ou bom, seria responsabilidade unicamente minha, não podendo culpar mais ninguém pelos meus desvios. No entanto, teria a magnífica chance de deparar-me com uma folha em branco e reescrever a minha história, reinventando o presente, reconstruindo o futuro. Teria o peso do meu sucesso ou do meu fracasso.



Fui longe. O sol já dá os seus primeiros indícios de vida na imensidão do céu. Num azul claro, tão claro a doer na vista. Mais um dia que se inicia e eu não me sinto mais imóvel pelo medo de viver. Sinto agora uma amável dúvida, a dúvida de não saber se serei na minha vida a personagem ou a autora.