Vi o sol nascer, se pôr, agora a lua reina exuberante no céu. E eu ainda permaneço absorta em meus pensamentos. Assim os dias se vão, sem que eu faça nada além do essencial para sobreviver.
Desses infinitos minutos em que contemplo a paisagem morta do meu quarto e desfruto de minha própria companhia, veio-me a mente o tempo que se esvai. O tempo que chega sorrateiramente e sem se deixar perceber, volta para o misterioso lugar de onde veio. Como perco tempo em meus devaneios. Sinto-me indescritivelmente paralisada pelo medo de viver. O que me espera ali na frente? Afinal, sou uma mera personagem de uma história já escrita ou sou autora da minha própria trama?
Se vim a esse mundo com um roteiro já escrito, estou fadada aos fatos, não posso mudá-los, só posso cumprir o papel que a mim foi incumbido. Nada depende de mim, trilho um caminho certo. Qualquer sofrimento, derrota, fracasso, estava escrito, foi porque Deus quis. Mas se eu for a autora da minha própria trama, o poder de torná-la um drama ou não seria meu. Teria comigo todas as ferramentas e possibilidades para dar a minha história o rumo que fosse melhor para mim. Escreveria o meu futuro, sendo este basicamente o reflexo do meu presente. Confesso que é mais cômodo crer que já há uma história escrita para mim e que uma força maior rege a minha vida. Posso até culpá-la pelos eventuais contratempos que ocorram, aliás, poderia a culpar por tudo que não quisesse assumir a culpa, livraria minha consciência dos erros, dos fracassos, dos comodismos, das mentiras... estaria tudo escrito, eu só haveria cumprido meu papel. Mas isso não me agrada tanto. Esse inexorável destino, permanecer nos limites de uma narrativa e ter a certeza de que nela terei que continuar. Tudo isso faz surgir em mim uma sensação de impotência, por nada poder fazer diante daquilo que me foi imposto. Diferente da sensação de liberdade que me trás a idéia de escrever diária e continuamente a minha história. Onde cada acontecimento, ruim ou bom, seria responsabilidade unicamente minha, não podendo culpar mais ninguém pelos meus desvios. No entanto, teria a magnífica chance de deparar-me com uma folha em branco e reescrever a minha história, reinventando o presente, reconstruindo o futuro. Teria o peso do meu sucesso ou do meu fracasso.
Fui longe. O sol já dá os seus primeiros indícios de vida na imensidão do céu. Num azul claro, tão claro a doer na vista. Mais um dia que se inicia e eu não me sinto mais imóvel pelo medo de viver. Sinto agora uma amável dúvida, a dúvida de não saber se serei na minha vida a personagem ou a autora.